Reflexo (outubro 2012)
Enquanto ainda não esperava, ela chegou. Antecipou-se em uma
semana. Olhei no espelho e gostei da moça. Não diria bonita, mas tinha lá certo
encanto. O dia que queria, arrumava-se bem. Maquiagem era o vício maior. A
altura não permitia passear em todos os cantos da moda, porém ela se virava.
Afinal, a altura (ou a falta dela) era seu ponto forte.
Ela chegou. Notei-a diferente. Era uma jovem mulher. Quase
trinta? Ah, não diga! Passa fácil por vinte, declarei. Ela me disse que se
sentia bem assim. Não ligava para tanta coisa que insistiam em questionar-lhe.
Era a tal da maturidade. E era uma maturidade livre. Não tinha preço.
Percebi também que ela assumira de vez seu gosto por tudo
que é diferente. Ela sentia-se atraída pelo desconhecido. “Quer me conquistar?
Surpreenda-me com coisas que não conheço. Desperte a minha curiosidade. Mantenha-me
entretida!” Ela sempre ressaltava. Lia mais, bebia mais, filosofava mais.
Pensava mais. Entre um uma ideia solta e outra, êxtase!
Todavia, o preço dessa liberdade existencialista-sartreana
era alto: estava quase sempre rodeada pela solidão. Seus bons playlists e seus
livros a acompanhavam. Amigos para conversar sobre, quase nunca. Era tão
difícil assim ser diferente?
- Não sou diferente, brincou. - gosto de coisas que nem todo
mundo gosta. Difícil é me encaixar nesse mundo aí, cheio de coisas iguais. Às vezes,
só querem repetir uns aos outros. Esquecem de pensar.
Ri da sua altivez. Quem a visse assim, com esse discurso
apaixonado logo a julgaria forte, com um ar autoritário. Todavia, era só uma
menina “romântica” de quase trinta.
Convidei-a para um café e ela sorriu ironicamente: - Ora,
terei tal honra? – provocou-me. Claro, respondi sem convicção diante de tanta
força desmedida em seus gestos e palavras.
Ela caminhava e descobria a rua, os cheiros, as cores, a
vida. – Não tem nada melhor do que observar as pessoas na rua! Quantas
histórias a gente olha sem ver! Nossa... E as cores de uma cidade? Cada hora do
dia tem uma tonalidade diferente, já observou? – ela me perguntou muito
interessada em minha resposta. Eu disse que não, meio envergonhado. – pois deveria,
retrucou ela. Não há nada mais belo do que observar e aprender. Imaginar todas
as possibilidades diante de nós e fazer delas realidade de alguma forma.
Fiquei paralisado. Eu a conhecia há tanto tempo e nunca a
vira assim, tão filósofa, tão poética, tão segura.
- Que nada, tudo isso ainda é aquela velha pose, só que
agora aprendi a fazer tudo direitinho, com mais segurança. E soltou uma
gargalhada. – Eu ainda tenho sonhos bobos, que transformei em liberdade. E são
somente meus. Eu ainda escrevo bobagens pensando em publicá-las, mostro aos
amigos, escrevo sobre eles. Deixei de lado apenas as ilusões. Sou mais dura
comigo e com os outros, mesmo que custe uma puta dor de estômago ou uma noite
de insônia. Piscou o olho direito e sentou-se em uma mesa que dava para a rua. –
vamos saborear um café. Depois te pago uma boa cerveja. As coisas boas da vida
precisam ser celebradas! Levantou os braços e inclinou a cabeça para trás.
Apenas concordei. Como é que se discorda de alguém assim? Que
a noite comece com uma boa cerveja e uma boa companhia.
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