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segunda-feira, 30 de abril de 2012

Inspiração (junho 2009)


Inspirei-me em sua poesia. Vi através de seus olhos turvos a clareza que me escapara.
Toquei sua boca. Ela me dizia coisas engraçadas. E então sorri de medo.
Senti seu corpo. Ele nada dizia. E eu tudo compreendi.
Rabisquei as primeiras palavras de uma crônica. Apaguei-as. Elas nada falavam sobre mim.
Ouvi os primeiros acordes de sua canção. E chorei... tão linda! Porém, ela nada falava sobre mim.
Acordei. E toda a minha inspiração falava sobre você. Mas seus olhos ainda estavam turvos. A clareza também lhe escapara. E você não pode ver a beleza da minha inspiração.

terça-feira, 24 de abril de 2012

Adjetivos (agosto 2006)


Ela olhou-se fixamente no espelho. Olhos verdes, traços levemente infantis. Disso estava cansada de saber.
Sentou-se no chão do quarto, ao lado da cama. Desejos insondáveis rodeavam-lhe a mente.
Deixou o estojo de maquiagem sobre a cama e procurou algo que, para o momento, não seria de muita utilidade.
Xingou.  Como não seria de muita utilidade? Era perfeito para a ocasião. Procurava o dicionário.
Adjetivos... Ela queria encontrar adjetivos para melhor definí-la.
Pegou o dicionário e abriu aleatoriamente.
Começou a escolher os que mais pareciam consigo. Percebeu que tentava moldar a si própria.
Parou.
Naquela altura ainda não tinha personalidade formada?
Não, não era bem isso. Gostaria apenas de descobrir-se.
Continuou.
Começou a ler os adjetivos em voz alta: discreta, alegre, tímida, sonhadora, inteligente (?).
Conteve-se quando descobriu que era covarde, que tinha medo.
Quis chorar, mas arriscou-se a ir mais longe. Era preciso.
Desafiadora, louca (?), autoritária (?).
Abriu um largo sorriso quando pronunciou a palavra hipócrita. Isso não era mesmo!
Também sorriu quando lembrou que errava muito. Contudo, sempre assumia os erros.
Fechou o dicionário. Estava mais alegre.
Levantou-se, pegou um cd de reggae e sentiu as vibrações positivas.
Terminou de se maquiar ao som da Jamaica. Descobriu que era ser pensante. Gargalhou. Uma onda de confiança invadiu-a.
Descobriu que não queria descobrir-se. Queria viver aquilo que acreditava.
Saiu. Não iria pensar em mais nada naquela noite. Apenas na música eletrônica ecoando por toda a boate.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Welcome to my silence! (junho 2006)

Welcome to my silence!
Há alguns dias “descobri” tal frase e ela insiste em me inquietar.
Na realidade, não gosto de estrangeirismos banindo a originalidade do nosso Português Brasileiro, especialmente ingleses (o inglês é uma língua belíssima, mas para eles lá, acima da linha do Equador). Todavia, tenho que admitir que tal frase traduzida não produz o mesmo impacto. Pelo menos não em mim.
Bem-vindo ao meu silêncio! Descobri essa bendita ou maldita frase – depende do ponto de vista – na internet, em uma comunidade de um site de relacionamentos. Coisa que, atualmente é febre e todo mundo tem. Para se expor e dizer que é melhor do que todos pensam.
E já que também me encaixo em “todo mundo” (exposta, provando que eu não preciso provar nada a ninguém), da minha página passei para a de um amigo, e da página do meu amigo para a de uma pessoa que não conheço – pelo menos em tese – bisbilhotando, e aí, eis a frase.
Não sei para quê tanta explicação até agora, pois o que quero mesmo é falar do meu silêncio, coisa antiga.
Desenvolvi em mim uma prodigiosa habilidade para o silêncio. E olha que sou professora – ou deveria ser, pois é o que diz meu diploma. Não possuo habilidade para explicações. Somente para o silêncio.
Mas, com o passar do tempo, percebi que esse silêncio possuía vantagens e desvantagens: na dor, o silêncio é imprescindível. Melhor o silêncio do que a incompreensão. Contudo, há outras situações que falar é fundamental. Foi em uma dessas situações que encontrei a desvantagem do silêncio.
Sabe quando você fica encantado? É, quando fica tão deslumbrado que nem consegue falar? Pois é, é aí que a língua tem de se soltar, expressar o léxico ativo ou passivo. E eu, no deslumbramento, fiquei apenas encantada, retraída, os pensamentos fervilhando numa velocidade assustadora, ganhando das palavras.
Perdi o amor da minha vida? Não, ganhei uma experiência fantástica. Agora sei dirigir o meu silêncio. Meus pensamentos ainda são mais rápidos do que minhas palavras, não consigo expressar tudo o que se passa em minha cabeça – desperdício! Mas, já não me calo diante de certas situações.
Creio que fiquei devendo uma explicação sobre o site de relacionamentos na internet, contudo, a essa altura uma explanação não se faz necessária. Todos já estão cansados de saber do que se trata, alguns excluíram sua conta, e outros, como eu, participam da comunidade “Welcome to my silence!”
Eu não quero falar.

domingo, 8 de abril de 2012

Sobre a saudade (abril 2012)


Hoje doeu uma saudade. Daquela que vem de um não-sei-onde e instala aqui, miúda, quieta.
Instala e espalha.
Primeiro no coração. Depois na razão. Daqui a pouco, toma conta da vida.
Hoje doeu a incerteza do eterno.
Hoje interpretei de forma racional suas palavras. Elas gritaram outras estrofes.
E doeu.
Então, a saudade instalou-se aqui. E não quer mais ir embora.
Disse que fica, que procura outra habitação quando você vier falar com ela. Dizer que veio. E que fica.
E fica até quando couber  vida a nós.
Saudade matreira. Fica à espreita, esperando um descuido para doer.
Ela já bateu o pé, tão arredia que é. Disse que fica.
E vai doer até o dia que você voltar e desfazer a interpretação racional.
Enquanto isso, já prometeu doer todos os dias.